Em boa medida a importância do estudo deste caso está em demonstrar que o processo de desenvolvimento social depende, em grande parte, da atividade dos moradores das áreas urbanas marginalizadas. Pois, mesmo que atividades como estas não tenham visibilidade midiática, são elas que contribuem significativamente para dar sustentação ao movimento social. Como diz Boaventura de Sousa Santos, centrar demasiadamente a análise social em ações dramáticas de âmbito global - ou seja, ações que tendem a ocorrer em cidades dos países centrais que suscitam a atenção dos meios de comunicação globais -, pode fazer esquecer que a resistência à opressão é uma tarefa quotidiana, protagonizada por gente anônima, que se encontra fora do campo de atenção; sem essa resistência, o movimento democrático transnacional não é auto-sustentável.
Um elemento de extrema relevância para a concepção de uma democracia participativa seria a multiplicação dos casos nos quais o sistema político abre mão de prerrogativas de decisão em favor de instâncias participativas. E, no Brasil, o Artigo 29 da Constituição de 1988, sobre a organização das cidades, requer a participação dos representantes de associações populares no processo de organização das cidades, gerando um espaço para as organizações populares se manifestarem suas demandas.
A maioria destas atividades "populares" são baseadas em modos cooperativos de organização. Como prática econômica, o cooperativismo inspira-se nos valores de autonomia, democracia participativa, igualdade, eqüidade e solidariedade. As cooperativas de trabalhadores ampliam, desta maneira, a democracia participativa até o âmbito econômico, e, com isso, estendem o princípio da cidadania à gestão das empresas. Semelhante ampliação da democracia tem efeitos emancipadores por tentar cumprir a promessa da eliminação da divisão que impera hoje entre a democracia política, de um lado, e o despotismo econômico (isto é, o império do proprietário sobre os trabalhadores no interior da empresa), do outro. Reiterando a partir do contexto exposto, o objetivo mestre deste projeto foi analisar em quais medidas e dimensões ocorreram ou vêm ocorrendo elementos emancipadores, que convergem à visão de Boaventura de Sousa Santos, na comunidade participante do processo de construção do bairro Jardim dos Lírios. Pois, tendo em vista a existência de fontes de financiamento e de atividades de orientação e de organização geradas pela iniciativa pública e outras entidades, o ponto em questão diz respeito às relações de dependência e à capacidade de auto-condução dos moradores com relação a seu futuro social.
Assim, este projeto procurou contribuir à visibilidade sócio-política desta e de outras iniciativas similares, o que no presente estudo foi conduzido através de uma análise crítica de sua viabilidade e de seus resultados, para ajudar a identificar se tais empreendimentos devem, ou não, ser alvos dos investimentos públicos para o desenvolvimento social. Santos afirma que "a resistência e as alternativas terão possibilidades de sucesso apenas na medida em que sejam capazes de alcançar esse reconhecimento e essa legitimidade por parte do Estado", e segundo Tedesco, "a grande maioria dos estudos sobre economia solidária tende a ser unânime em afirmar que a longevidade das experiências solidárias se dá pela potencialização de seus vínculos externos através do apoio institucional externo (absorção de políticas públicas, assessorias técnicas, informações mercadológicas...), da capacidade de diversificação produtiva, do senso de oportunismo, do planejamento estratégico que demanda uma visão menos imediatista, da consciência da previsibilidade, riscos e sacrifícios".