Convém apresentar, em rápidas linhas, idéias que permitam compreender a propagação de prescrições em prol da participação social em toda a América Latina ao longo dos anos noventa. Nesta perspectiva, dois conjuntos de fatores prevalecem nas explicações sobre o fenômeno de proliferação de novos canais públicos para captação das aspirações dos atores locais em grande medida marginalizados dos processos de tomada de decisão nas esferas dos poderes públicos.
O primeiro grupo de fatores se refere à idéia segundo a qual a multiplicação de interlocutores locais inibe malversações no uso dos fundos públicos, favorecendo uma implantação mais adequada dos projetos de desenvolvimento. Trata-se, finalmente, de uma procura de respostas aos sucessivos fracassos neste domínio. Todavia, esta concepção se ancora antes em perspectivas fundadas em lógicas fortemente economicistas do que orientada para inovações democráticas.
Uma vertente importante neste grupo considera que as intervenções públicas voltadas ao desenvolvimento e à implantação de infra-estrutura social deveriam unicamente se dirigir às camadas mais empobrecidas da população rural, tendo em vista uma primazia do objetivo de combate à pobreza. Deste ponto de vista, o apoio aos grupos mais empobrecidos da população obedece a uma lógica que pretende atenuar a extrema precariedade num contexto da aplicação de políticas neoliberais nos países em desenvolvimento. Nesta linha de raciocínio, as reformas estruturais demandam certo tempo para seu amadurecimento. Favorecendo a retomada do crescimento, tal maturação beneficiaria o conjunto da sociedade, mesmo os grupos sociais menos privilegiados.
No entanto, enquanto estes benefícios não chegam, tal concepção recomenda ações públicas direcionadas aos segmentos mais vulneráveis da população. Neste quadro, prescreve-se a participação ativa da população mais empobrecida nas escolhas da política social. Obviamente, observa-se aqui uma forte hostilidade à intervenção estatal, com impactos concretos em termos de restrição orçamentária às políticas sociais e desenvolvimentistas. A participação social dos mais pobres, antes de representar maior eficácia na utilização dos recursos públicos, favorece a diminuição das despesas estatais, bloqueando a expansão da proteção social a camadas mais amplas da população. De maneira apropriada, pode-se considerar que esta concepção molda-se ao projeto de um Estado mínimo, que se desengaja dos compromissos em torno da garantia de direitos.
Sob vários aspectos, a idéia de uma "exclusão participativa" parece adequada para interpretar as lógicas destas políticas de combate contra a pobreza. A transferência de competências do Estado para a sociedade civil constitui uma característica essencial de uma preconização cujo pressuposto central consiste em identificar num excesso de intervencionismo estatal o maior malefício dos países latino-americanos. Ainda que, por exemplo, as populações rurais sejam convidadas a desempenhar um papel chave na busca de soluções aos problemas locais relativos à infra-estrutura, as decisões na esfera macro-econômicas devem ser blindadas frente ao campo do debate.
O segundo grupo de fatores favoráveis à propagação de espaços públicos abertos à participação social se associa às demandas em torno da democratização brasileira com o fim dos anos autoritários do regime militar. Constituindo uma resposta aos aproximadamente vinte anos de centralização dos governos militares, uma tendência de descentralização favoreceu a instalação destes espaços em diversos campos da administração pública. O espaço local (notadamente municipal) constitui o lugar por excelência destas experiências. De fato, trata-se da busca de meios eficazes para provocar uma redistribuição de papéis em torno dos processos de tomada de decisão na esfera pública. Na medida de sua proximidade com os cidadãos, a esfera local de poder torna-se fundamental para estes desenhos de perspectivas democráticas.
Efetivamente, estas perspectivas revelam uma profunda insatisfação com os limites da democracia representativa. Este descontentamento alimenta-se da forte apatia político-partidária, da ausência de controle dos cidadãos e dos partidos sobre os eleitos, do descaso em relação às vontades manifestas pelos grupos organizados da sociedade e da crescente desigualdade social. Este quadro conduz à idéia de ampliar o cânone democrático, ou seja, trata-se em grandes linhas de edificar uma democracia participativa.
De outra parte, o movimento ambientalista e o debate acerca do desenvolvimento sustentável contribuem para o reforço das recomendações em favor da participação, na medida em que se considera o conhecimento local como essencial para a concepção de projetos fundados na utilização adequada dos recursos naturais e humanos. Esta perspectiva pressupõe a multiplicação dos canais abertos à manifestação dos atores.